A pesquisa “Visível e Invisível: Vitimização de Mulheres no Brasil”, a primeira do Fórum Brasileiro de Segurança Pública que usa a religião declarada como indicador.
Os relatos ouvidos pelo Portal UOL ajudam a explicar o número revelado por um estudo recente: 42,7% das mulheres evangélicas sofreram abusos de violência domésticas.
Casos relatados:
O relato de Cássia* e de outras mulheres :
“O Pastor colocou a culpa em mim”
Evangélicas desde jovens e de origens distintas, a cearense Cássia, 42, a paulistana Viviane, 31, e a mato-grossense Maria, 45, compartilham históricos de violência doméstica desde a infância. Elas, que tiveram suas identidades alteradas por questões de segurança, contam abaixo detalhes de como eram agredidas.
Cássia ficou casada 14 anos, até 2018, e teve três filhos. Abandonou a faculdade após crises de ciúmes do marido, que chegou a clonar seu telefone, persegui-la e, dentro de casa, estuprá-la.
“No primeiro ano de casamento, já não estava feliz. Ele tinha ciúmes de todo mundo, fazia eu me sentir mal com meus estudos, meu trabalho e jeito de ser. Na época, eu achava que o problema estava em mim, que eu devia aprender a ser uma esposa melhor e obediente, que precisávamos ficar juntos a vida toda. É o que ouvíamos muito na nossa igreja.”
“Ele era bombeiro e um homem fervoroso, considerado um fiel impecável e muito correto. Depois da briga, era buquê de flores. Então eu desabafava com as mulheres da igreja, com quem eu tinha mais contato, e elas me diziam: ‘aguenta mais um pouco, pelos seus filhos’, ‘ele é muito bonzinho; perdoa, é só ciúmes”.
“Conforme fui ficando mais distante e perdendo a vontade de estar com ele, pelas brigas e cobranças constantes, ele foi forçando relações sexuais. Dizia que meu corpo era dele, porque era meu marido, e isso estava na Bíblia. Eu chorava, reclamava, me debatia, mas não adiantava. No começo, achava que a culpa era minha por não desejá-lo, que eu provocava aquela raiva nele. Então, eu orava muito para Deus mudar o meu coração e meu sentimento.”
“Quando comecei a dizer que não aguentava mais, que queria me separar, ele, sem alterar a voz, me dizia que, se eu fizesse isso, tacaria fogo em mim e nos nossos filhos. (…) As violências começaram a ficar mais regulares e fui pedir ajuda na igreja. Contei o que estava passando a uma irmã mais velha e pedi ajuda para chegar ao pastor. Ela me falou assim: ‘você não é a primeira a passar por isso e não vai ser a última, aguenta firme.”
“Aguentei por um tempo. Quando fui pedir ajuda ao pastor, já estava casada há uns 10 anos. Primeiro, ele sugeriu que nós fizéssemos um curso para casal. Depois, sugeriu que renovássemos nossos votos. Na cabeça dele, era tudo muito espiritual… Eu acreditava que, caso nada do que o pastor estava propondo desse certo, ele ia me ajudar, aconselhar meu ex-marido e pedir para me deixar em paz. Mas não, ele colocou a culpa em mim e disse: ‘Irmã, você está orando pouco, você precisa colocar mais o seu joelho no chão. Se pedir o divórcio, a pecadora será você”.
Ainda casada, Cássia procurou uma delegacia e diz que ouviu do delegado “que era só ciúmes de um homem apaixonado”. Como o ex era bombeiro militar, ela teve medo de insistir na denúncia e, com ajuda algumas amigas da igreja, criou um plano de fuga: viajou dizendo que eram férias, mas nunca mais voltou. Depois, o ex se envolveu com outra mulher e foi preso por violência doméstica.
“Cresci ouvindo que deveria ser submissa e aguentar tudo.”
Assim como Cássia, Viviane se casou jovem. Conheceu o pai de sua filha aos 13 e se casou aos 18. Ainda no início da relação, ela descobriu traições do ex-marido. Criada em família evangélica, também conta que foi ensinada em casa e na igreja a tolerar violências e aceitar sexo contra a sua vontade.
Assim como Cássia, Viviane se casou jovem. Conheceu o pai de sua filha aos 13 e se casou aos 18. Ainda no início da relação, ela descobriu traições do ex-marido. Criada em família evangélica, também conta que foi ensinada em casa e na igreja a tolerar violências e aceitar sexo contra a sua vontade.
“Ele nunca me tratava com carinho, mas até aí eu achava normal. Meu pai também batia muito na minha mãe e a tratava mal. Mas, quando eu tinha uns 20 anos, descobri que ele ficava com outras meninas e meu sofrimento aumentou.”
“Eu era inocente e só orava, fazia jejum e propósito para Deus abençoar meu casamento e ele parar de me trair. Acho que, como eu cresci escutando que a mulher deve ser submissa ao marido e zelar pela sua família, eu tinha que fazer dar certo, lutar até o fim. Qualquer coisa diferente disso seria pecado.”
“Nas pregações, os pastores sempre falavam para a gente não abandonar o casamento, que tinha que aguentar tudo e não podia negar ter relação [sexual], mesmo que a gente se sentisse traída e violentada. E eu cresci ouvindo isso.”
Em 2021, depois de se tornar mãe e desenvolver um quadro depressivo, Viviane se separou. Algum tempo depois, ao descobrir que ela havia se envolvido romanticamente com outro rapaz, o ex-marido a espancou em público.
“Estava andando na rua com colegas de trabalho, quando senti uma mão pesada e fui jogada na calçada. Ele tinha bebido muito, quebrou meu nariz e ficou me batendo na cabeça enquanto me xingava”.
“Eu não desisti de Deus ou da minha fé. Mas, da religião em si, hoje me sinto desgostosa.”
‘Insubmissa’
Maria descobriu que o então marido mantinha relações extra-conjugais com mulheres e homens, e as brigas aumentaram. No início, eram agressões psicológicas, mas logo veio a violência física.
“Ele foi colocando todos contra mim. Dizia que eu estava doida e era insubmissa. Era uma maneira de manipular, e as pessoas da igreja, inclusive alguns familiares, pareciam cegas. Não viam que era ele que estava destruindo nossa família. O problema era sempre eu e, por muito tempo, me senti culpada”.
“Mas criei coragem e contei que era agredida e que ele me traía com homens. Eu estava muito sem graça e nervosa”.“Me acolheram, disseram que sentiam muito e que iriam conversar com o pai dos meus filhos para perguntar se ele queria dar um jeito na vida e estar comigo sem me maltratar, ou seguir a vida dele.”
“Depois de uns 10 anos de casamento, ele passou a me bater, só que de uma forma que não deixava marca: me dava chave de braço, me jogava no chão, me deixava sem respirar. Foi só piorando.”
Ela então passou a buscar informações na internet sobre casos de violência doméstica. Pouco depois, recebeu a notícia de que uma amiga havia sido morta pelo ex-marido.
“Foi aí que eu entendi que precisava buscar socorro. As pessoas confundem a prática religiosa com a fé. A prática vem dos homens, que muitas vezes erram e usam Deus como escudo. Sabemos de muitos dentro da igreja agredindo e traindo suas companheiras, estuprando e se escondendo atrás da religiosidade. Mas isso não tem a ver com a nossa fé. Hoje eu sei que Deus não quer ver nenhuma mulher sofrendo”
Maria e Viviane se separaram depois de conseguirem medidas protetivas, mas a paulistana, sem dinheiro para um advogado, não conseguiu o divórcio até hoje e segue na lista de espera da Defensoria Pública. As três ainda frequentam a igreja esporadicamente
“Não podemos concluir que ser cristã coloca a mulher em situação de maior vulnerabilidade”, diz Juliana Brandão, uma das pesquisadoras do estudo. “Mas, ainda que seja necessário se aprofundar nos contextos sociais por trás dos números, eles acendem um sinal de que o papel das instituições religiosas também é um indicador a ser considerado em casos de violência contra a mulher. E sobre isso falamos pouco”.
Segundo ela, é possível dizer com base em evidências que a religião ocupa um espaço que o Estado não alcança e que há uma naturalização da noção de que mulheres devem ser subservientes, não têm direitos e são responsáveis pelo relacionamento dar certo, muitas vezes, à base de sacrifícios.
Em caso de violência, denuncie
Ao presenciar um episódio de agressão contra mulheres, ligue para 190 e denuncie.
Casos de violência doméstica são, na maior parte das vezes, cometidos por parceiros ou ex-companheiros, mas a Lei Maria da Penha também pode ser aplicada em agressões cometidas por familiares.
Também é possível realizar denúncias pelo número 180 — Central de Atendimento à Mulher — e do Disque 100, que apura violações aos direitos humanos.
*Os nomes foram alterados para preservar a identidade das fontes
Com informações do Portal UOL
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